A
notícia do relacionamento de Suzane Von Richthofen com a sequestradora
Sandra Regina Ruiz Gomes, ex-namorada de Elise Matsunaga, ganhou
destaque pela forma como a vida real pode ser ainda mais surpreendente
que a ficção. Apesar da surpresa que a notícia causou, dentro dos
presídios femininos, as relações homoafetivas com pessoas que até então
não se consideravam homossexuais são mais comuns do que se
imagina. Afinal, na prisão, não desaparece a necessidade pelo afeto,
companheirismo e pelos ganhos que uma relação pode trazer, sejam
eles sentimentais, financeiros ou de segurança – motivadores muitos
parecidos com os que existem fora dos muros das unidades prisionais. Mas
como as opções, na prisão, são limitadas, as presas acabam se sentindo
mais livres para se relacionar com pessoas do mesmo sexo, dizem
especialistas.
“São
relações que implicam em afeto, manutenção da vida cotidiana dentro da
prisão, tanto por meio de troca financeira, afetiva, de uma dar suporte
para outra, como um casal. É a possibilidade de encontros sexuais e
afetivos que as pessoas têm lá dentro, e aí se é homoafetiva ou
heteroafetiva acho que perde o sentido… é muito mais a possibilidade de
encontros pessoais, e ali são aquelas pessoas que estão disponíveis,
mais do que uma carga muito forte entre homossexualidade e
heterossexualidade”, explica a antropóloga Natália Corazza Padovani,
cujo projeto de doutorado, “Sobre casos e casamentos: Relacionamentos
amorosos e experiências de conjugalidade nas penitenciárias femininas
das cidades de São Paulo e Barcelona”, estuda o tema. Entre as 33
entrevistadas, 17 tiveram relacionamentos com pessoas do mesmo sexo
enquanto cumpriam pena.
No
caso de Suzane não foi bem um casamento, mas sim o reconhecimento do
relacionamento com Sandra dentro do Presídio Feminino de Tremembé I,
onde os casais possuem um tratamento diferenciado, segundo matéria
publicada no jornal Folha de S. Paulo. A companheira foi condenada em
2003 a 25 anos de prisão pelo sequestro e morte de um adolescente de 14
anos que era seu vizinho. Apesar da família ter pago o resgate de R$ 3
mil, o menino foi morto para impedir o reconhecimento dos autores do
crime. Na cadeia, ela seria conhecida como “barra pesada” e teve um
incidente de violência contra agentes prisionais.
A
forma como os relacionamentos são tratados pela administração de cada
uma das unidades prisionais femininas varia de acordo com a
interpretação dos diretores. O estudo da antropóloga, por exemplo,
mostra que mulheres mesmo casadas com homens de fora dos presídios
também se relacionam com mulheres dentro da prisão. Lá dentro se
destacam os transgêneros, que adotam um visual e corpulência masculina,
adotando inclusive nomes de homens, que costumam ser vistos como os
“pegadores”.
“Alguns
sapatões daqui são homens mesmo sabe? Alguns são muito bonitos,
lindos, altos, uns bofes, uns bofes lindos. É difícil de resistir, então
eu fico com um aqui, outro ali, mas nada sério porque eu não quero
confusão. Não quero namorar com nenhum sapatão. Eu quero mesmo é gozar!
Eles me fazem gozar muito! Mas eu quero continuar com meu marido, não
quero desistir da visita íntima. É bom sair um pouco do pavilhão, ir
para um lugar diferente. Independente de fazer sexo ou não, a visita
íntima são duas horas para viver a liberdade”, diz uma das presas casada
e com direitos a visitas íntimas com o marido, entrevistada pela
pesquisadora que demonstra bem como funciona essa dinâmica.
Há
até pouco tempo atrás o sistema carcerário reconhecia apenas os
relacionamentos heterossexuais, porque o entendimento era de que apenas
os homens tinham direito a satisfazer as necessidades da “natureza
masculina”, enquanto que a falta de regulamentação das visitas íntimas
homoafetivas nos presídios femininos era visto como um incentivo ao
homossexualismo pelo sistema.
Já
dentro das galerias e celas, as relações homoafetivas são vistas como
normalidade, o que não significa que não exista preconceito, ainda mais
com o crescimento da atuação das igrejas evangélicas dentro das unidades
prisionais.
“É
uma coisa que já teve mais preconceito do que tem tido atualmente. Isso
não quer dizer que não existam pessoas que estão em cumprimento de
pena, que considerem normal, principalmente como o advento das igrejas
evangélicas dentro das prisões e de terem uma presença muito forte.
Existe, claro, preconceito em relação às relações homoafetivas como
existem dentro das prisões, mas ao mesmo tempo é levado com normalidade é
considerado aceitável, ordinário no sentido de ser comum, e cotidiano
as relações. E são relações que implicam em afeto, manutenção da vida
cotidiana dentro da prisão, tanto por meio de troca financeira, afetiva,
de uma dar suporte para outra, como um casal”, diz Natália.
A
escolha de parceiros entre as presas segue a mesma dinâmica que se vê
fora dos presídios, até porque, pelo menos em penitenciárias femininas
de São Paulo, a questão da proteção contra violência ser vista pela
antropóloga não pode ser interpretado como algo totalmente determinante.
“Isso
acontece fora da prisão, como acontece dentro também, as pessoas
avaliam quais são as possibilidade de parceiros e vão avaliar várias
coisa, inclusive status, classe social. Os estudos sobre conjugalidade,
nesse sentido, mesmo fora das prisões têm chamado atenção para o fato de
que relações conjugais sobrepõem afeto, interesses, tanto fora como
dentro da prisão. E claro, dentro da prisão existia também isso, as
meninas que eram consideradas mais bonitas… você tem também uma divisão
dentro da prisão que é atravessada pelas pessoas que vem de fora das
prisões de classe social, de pessoas que têm melhor condição financeira,
uma questão racial, quem é branca, quem é negra, a localização
geográfica, se vem de um bairro x ou y, se á uma pessoa que vem da
cracolândia… todos os preconceitos e estereótipos que existe fora das
prisões também existe dentro”, explica.
O Terra entrou
em contato com a direção da Penitenciária Feminina de Tremembé I, onde
Suzane cumpre pena para saber como casais homoafetivos são tratados, mas
a entrevista só poderia ser concedida mediante autorização da
Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que até a
publicação desta matéria, não deu resposta.
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