A
publicação da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que coloca o
Brasil no ranking de países que possibilitam o matrimônio de homossexuais
deverá ocorrer nesta quinta-feira (16). A norma, aprovada por maioria dos
conselheiros na última terça-feira (14), obriga os cartórios de todo
território nacional a realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Considerado por alguns operadores do Direito e movimentos sociais ligados à
população LGBT uma reparação do estado a esta parcela da sociedade, a
resolução do CNJ ainda poderá ser questionada no Supremo Tribunal Federal.
Porém, a probabilidade da corte brasileira ceder à pressão de setores
conservadores contrários ao casamento gay é remota, acreditam, uma vez que o
STF já decidiu pelo reconhecimento da união estável homossexual em 2011.
A
resolução foi aprovada por 14 votos favoráveis e apenas o voto contra da
conselheira Maria Cristina Peduzzi. O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, apresentou proposta para vencer as
dificuldades enfrentadas por casais gays nos cartórios brasileiros
para formalizar a união estável ou convertê-la em casamento civil. De acordo
com o conselheiro Guilherme Calmon, a iniciativa atendeu pedidos feitos ao CNJ
para horizontalizar a posição das corregedorias de justiça dos estados. “Havia
dois pedidos neste sentido no âmbito do CNJ pedindo uma posição diante da
disparidade do tratamento do tema nos estados. Agora, não tem mais nenhum
impeditivo administrativo para alcançar este direito”, disse.
Na
esfera judicial, a resolução ainda pode ser questionada por Ação Direta de
Inconstitucionalidade ou um mandado de segurança, explica Calmon. “Mas,
acredito que isto que foi feito é uma consolidação de valores democráticos, de
igualdade de direitos que independem da orientação sexual. É uma demonstração
do judiciário de que todos os cidadãos brasileiros têm o direito de
constituírem famílias, conforme o previsto na Constituição”, afirmou
salientando a importância da decisão do CNJ.
Cartórios
terão horizontalidade na concessão do registro
Resolução
do Conselho Nacional de Justiça regulamenta registro civil de casamento de
homossexuais. Atualmente ficava a cargo de cada estado e na interpretação dos
juízes | Foto: Stefano Bolognini/Wikimedia Commons
Na
prática, a partir desta quinta-feira, mesmo que aconteça qualquer
questionamento jurídico, a resolução já estará em vigor e qualquer casal
homossexual poderá fazer o registro civil de casamento junto aos cartórios e
tabelionatos. É possível tanto converter as uniões estáveis em casamento sem o
risco de ter o pedido indeferido, como acontecia atualmente, ou ir direto ao
casamento. Para o juiz do Foro de Caixas do Sul, Sérgio Fusquine Gonçalves,
responsável pela decisão do
primeiro casamento gay no interior do Rio Grande do Sul, a
resolução irá facilitar o trabalho dos operadores de direito que já tinham
esta compreensão. “A minha decisão no ano passado abriu jurisprudência para
outros casamentos, mas não tinha validade em outras comarcas. Agora, todos
terão que agir dentro da regulamentação do CNJ. Isto evitará uma burocracia
que hoje impedia o acesso a este direito ou mesmo (
resultava na)
recusa de alguns cartórios em realizar o casamento”, explica.
Segundo
ele, os pedidos de casamento feitos por casais homossexuais em território
gaúcho eram encaminhados para o Ministério Público do RS para uma avaliação
dos promotores e corriam o risco de impugnação. “Agora poderá ir direto ao
casamento porque tem uma resolução nacional. As certidões poderão ser
liberadas em até 30 dias. Será simples e sem exames de comprovação de qualquer
natureza, como já ocorria para casamento entre homens e mulheres”, fala.
A
decisão do Conselho Nacional de Justiça é mais uma intervenção do Poder
Judiciário para garantia dos valores de respeito à pluralidade e da
diversidade. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido pelo
reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que
possibilitou uma extensão de direitos aos homossexuais. Atualmente já é
possível que casais gays tenham direito à pensão alimentícia, previdência,
plano de saúde, entre outros. “Era preciso dar mais um passo, que era o
casamento. Não tinha sentido poder converter a união estável em casamento e
não poder casar. Isso fazia com que cada estado regulamentasse o casamento
como quisesse”, argumenta a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marta Cauduro Oppermann.
De
acordo com a advogada, apenas 12 estados regulamentaram o casamento civil
homossexual após a decisão do STF. “O Rio Grande do Sul, que sempre foi
pioneiro em decisões deste tipo, de forma individual, não tinha regulamentado
junto ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS)”, disse. A juíza-corregedora do
TJ-RS, Ana Cláudia Raabe, alega que existe uma orientação da
Corregedoria-Geral de Justiça “no sentido de sejam recebidos os pedidos de
habilitação de casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
“Casamento
tem mais segurança jurídica do que união estável”, diz representante da
OAB-RS
Manifestação
na França pedindo legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo | Foto:
Petit Lu/Reprodução
O
casamento de homossexuais já foi aprovado em 15 países. O pioneiro foi a
Holanda, que em abril de 2001 autorizou o casamento de pessoas do mesmo
sexo, depois de em 1998 ter criado uma união civil aberta a todos, sem
exceção. No Brasil, a resolução deve aumentar a procura por casamentos nos
cartórios, estima a advogada Marta Oppermann. “O casamento é o estatuto que
mais protege a família, regime de bens, direito sucessório, direito real de
habitação, direito previdenciário. Ainda que a união estável preserve isso, o
casamento tem maior segurança e dispensa comprovações exigidas pela união
estável. É mais um passo na luta contra o preconceito”, fala.
Ela
considera um retrocesso a decisão do casamento gay ter que partir do
Judiciário. “Se compararmos com outros países, que já têm lei que prevê o
casamento entre pares do mesmo sexo, é complicado olhar o Judiciário
brasileiro ter que obrigar os cartórios a reconhecer este direito. Justamente
enquanto temos um Congresso Nacional com Marco Feliciano (presidente da
Comissão de Direitos Humanos) e tantos entraves ao PLC 122 para
criminalização da homofobia”, critica.
Para
o representante da ONG Somos, Sandro Ka, a homofobia opera de várias formas e
que a garantia do casamento gay é mais um passo para romper a discriminação.
Mas combater o preconceito no Brasil, ainda levará mais tempo, acredita.
“Romper o preconceito já é mudança que não se impõe com leis. É algo para
médio ou longo prazo. A lei evita certa discriminação, mas entender a
normalidade da escolha de pessoas do mesmo sexo necessita de educação e
formação”, analisa. Segundo ele, os cartórios devem ser bem informados sobre a
nova norma para evitar constrangimentos no atendimento dos futuros pedidos de
casamento homossexual. “Existem estratégias burocráticas que podem ser
utilizadas por alguns mais conservadores para impedir o acesso, mas as pessoas
têm que ir buscar este direito com convicção. Não será um sorriso amarelo que
impedirá o casamento gay. É um direito agora”, comemora.
Direitos
e deveres dos cônjuges nos países onde os homossexuais podem casar:
Holanda –
Desde abril de 2011, os direitos e deveres dos cônjuges são idênticos aos dos
casais heterossexuais, inclusive o da adoção.
Bélgica –
Casamento entre pessoas do mesmo sexo está autorizado desde junho de
2003. Casais homossexuais têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais
e em 2006 conquistaram o direito a adotar.
Espanha –
Legalização ocorreu em julho de 2005. Casais de fato ou de direito têm a
possibilidade de adotar.
Canadá –
A lei que permite o casamento e a adoção entrou em vigor em julho de 2005, mas
já antes a maior parte das províncias canadianas autorizava a legalização das
uniões entre pessoas do mesmo sexo.
África
do Sul – Primeiro país do continente africano a legalizar a
união entre pessoas do mesmo sexo, através do casamento ou da união civil. A
lei entrou em vigor em novembro de 2006.
Noruega –
Desde janeiro de 2009, casais homossexuais estão em pé de igualdade com os
heterossexuais em questões como casamento ou adoção, e inclusivamente
para beneficiar de fertilização assistida. Desde 1993, porém, já podiam
celebrar uma união civil.
Suécia
- Pioneiro no direito à adoção, o país permite desde 2009 o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, tanto no religioso como no civil (este
desde 1995).
Portugal –
A lei que entrou em vigor em junho de 2010 altera a definição de casamento ao
suprimir a referência “de sexo diferente”. Exclui, porém, o direito à
adoção.
Islândia –
No mesmo dia da entrada em vigor da nova lei, a 27 de junho de 2010, a própria
primeira-ministra Johanna Sigurdardottir casou-se com a sua companheira.
Até então, os casais homossexuais podiam unir-se legalmente mas a união não
era considerada propriamente um casamento.
Argentina –
Desde 15 de julho de 2010, a Argentina tornou-se o primeiro país da América
Latina a legalizar o casamento entre homossexuais, com direitos idênticos aos
dos casais heterossexuais, incluindo a adoção.
Dinamarca –
Primeiro país a oficializar as uniões civis de casais homossexuais, o que
aconteceu em 1989. Posteriormente, os homossexuais conquistaram o direito
a terem as suas uniões reconhecidas pela Igreja. Atualmente, desde o ano
passado, têm direito a uma cerimônia religiosa.
Uruguai –
O casamento de pessoas do mesmo sexo está legalizado desde abril, após a
Câmara dos Deputados ratificar o projeto de lei do
“matrimônio igualitário”.
Nova
Zelândia – Primeiro país da região Ásia -Pacífico a reconhecer o
direito ao casamento dos homossexuais. A lei foi aprovada em abril.
França
- Em abril, depois de muita polêmica os deputados
franceses aprovaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na segunda e
última leitura do projeto de lei na Assembleia Legislativa, 331 deputados
votaram a favor e 225 contra.
Estados
Unidos – Embora não haja ainda uma lei nacional, dos 50
estados 12 autorizam os casamentos de homossexuais. São eles:
Connecticut, Iowa, Massachussetts, Maryland, Maine, Nova Hampshire, Nova
Iorque, Vermont, Washington, Delaware, Rhode Island e Minnesota, além do
distrito de Columbia.
Os
casamentos realizados na cidade do México e no estado de Quintana Roo estão
reconhecidos em todo o México. Jurisdições como as do Japão, de
Israel, dos países caribenhos pertencentes aos Países Baixos, de parte
dos EUA e de todos os estados do México, embora não permitam os casamentos
de gays e lésbicas, reconhecem os que forem realizados em
outros países.
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Rachel Duarte
repórter
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