Homem que trabalhou na Assembleia de Deus dos Últimos Dias afirma que
líder religioso ordenava motins para aparecer como pacificador e ganhar poder.
Os depoimentos que compõem a investigação da Polícia Civil contra o
pastor Marcos Pereira desmontam uma farsa de grandes proporções. Entre
as vítimas de estupros e ameaças, destaca-se o relato de um
ex-funcionário da Assembleia de Deus dos Últimos Dias (ADUD) que
abandonou o pastor em 2009 e, em 2012, decidiu por iniciativa própria
denunciar os crimes que testemunhou. Segundo conta, era Marcos Pereira
quem ordenava rebeliões em presídios para, em seguida, aparecer em
público como conciliador, evitando mortes e operando a rendição de
bandidos. A lista de encenações inclui a mais famosa delas, em 2004,
quando o pastor foi chamado pelo então secretário de Segurança, Anthony
Garotinho, hoje deputado federal pelo PR, para conter um motim na Casa
de Custódia de Benfica, na Zona Norte. Na ocasião, morreram 34 detentos
de facções inimigas do Comando Vermelho – com o qual Pereira mantinha
contato próximo. O ex-funcionário acusa Pereira de ter tramado a
rebelião com Silvana Santos da Silva, irmã do traficante Márcio
Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP.
Em dois depoimentos que somam dez páginas, prestados nos dias 7 e 9
de março de 2012, o ex-seguidor de Marcos Pereira afirma que em 2006 o
pastor e Silvana deram ordens para que bandidos do Comando Vermelho
perpetrassem os ataques que aterrorizaram o Rio na noite de 28 de
dezembro – episódio que ficou conhecido como “Rio de Sangue” e deixou 20
pessoas mortas em explosões e alvejamento de carros e cabines da PM,
além de incêndios de ônibus.
Ainda segundo o ex-funcionário, “os ataques criminosos ocorridos em
28 de dezembro de 2006 no Rio de Janeiro foram orquestrados pelo
pastor”, a partir de uma intermediação feita por Silvana com o irmão,
preso. Como fogo e gasolina, a receita do plano era a seguinte: reunir
criminosos soltos, e que precisavam de dinheiro, para ir às ruas atacar
em pontos distintos da cidade, queimando carros, ônibus e atacando
delegacias e cabines policiais. “Cada ônibus incendiado rendia de 1.500 a
2.000 reais”, disse ele à polícia. Os criminosos sentiram-se motivados a
atacar a partir de declarações do governador Sérgio Cabral de que a
repressão ao tráfico de drogas seria intensificada. O pastor operou,
então, uma trégua verdadeira, mas entre os traficantes: facções que
guerreavam há anos, Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Terceiro
Comando passaram a deixar de lado as diferenças para enfrentar a
polícia.
Outra testemunha, que estava presa em Benfica quando ocorreu a
rebelião, afirmou que “era comum ouvir entre os presos que Marcos tinha
grande influência junto às lideranças do crime organizado do Rio de
Janeiro” e que a ordem na Casa de Custódia era que a rebelião não
poderia ter fim até que o pastor Marcos chegasse. O objetivo do pastor
era se promover como um interlocutor capaz de frear a barbárie. O
ex-funcionário também acusa Pereira e uma lista de políticos de tramar
um ataque na madrugada das eleições de 2010. A ideia era evitar a
reeleição do governador Sérgio Cabral, franco favorito e reeleito em
primeiro turno.
UPPs – O ex-funcionário dedica uma parte de seu
relato às UPPs. Diz ele que, a partir das Unidades de Polícia
Pacificadora, criadas em 2008, o pastor começou a perder poder e receita
nas favelas antes ocupadas pelo tráfico. Nesses locais, a ADUD recebia
entre 25.000 e 35.000 reais por culto, pagos pelo tráfico.
Os depoimentos destacam a forma como o pastor usa, ora o nome de
Deus, ora o nome de bandidos para manter sua influência. O nome de
Marcinho VP, por exemplo, servia para intimidar inimigos do pastor, o
que acabava rendendo ao traficante a autoria de crimes que, na verdade,
foram pensados pelo pastor e por Silvana. Em outros momentos, como para
persuadir suas seguidoras a fazer sexo, Pereira usava o nome de Deus.
Nos arredores da sede da ADUD, são conhecidas as imagens de mulheres
que se vestem completamente cobertas e são privadas de ter acesso a
meios de comunicação – rádio, TV, computador e internet são proibidos
nos limites da igreja de Marcos Pereira. O que a polícia descobre,
agora, é uma rede de exploração a serviço das taras do líder supremo do
grupo.
Os mais de 20 depoimentos contêm detalhes arrepiantes dos abusos
cometidos contra menores – entre eles um grupo de três irmãs e um irmão
que moravam no prédio, com idades entre 6 e 13 anos. Filhos de um
presidiário preso em Bangu, os menores apanhavam e eram ameaçados com as
palavras repetidas pelo pastor em muitas outras circunstâncias: vocês
estão com o demônio no corpo e estão mentindo. Foi isso o que ouviu a
menina de 6 anos ao ameaçar que denunciaria a uma tia o fato de as irmãs
terem feito sexo anal com Pereira. Os detalhes desta cena estão no
depoimento de um ex-funcionário da igreja. Ele contou à polícia, em
março de 2012, que Marcos Pereira, ao tomar ciência das intenções da
menina de 6 anos, surrou a criança e enfiou sua cabeça em um vaso
sanitário, para depois aplicar chutes e dizer que ela estava mentindo e
com “o diabo no corpo”.
Nas dez páginas de seu relato à polícia, a testemunha afirma que o
líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias “fez sexo com diversas
irmãs ao mesmo tempo em motéis” e que o pastor contratava “prostitutas,
garotos de programa e travestis” para participarem das orgias. O
ex-colaborador diz ainda que “aproximadamente 120 mulheres que
frequentavam ou frequentam” a igreja de Pereira foram vítimas dos
abusos. “E que o pastor Marcos gosta de ver várias mulheres fazendo sexo
grupal”.
O relato minucioso indica que Marcos Pereira praticava, na vida
pessoal, outro ato considerado abominável pela doutrina evangélica: o
aborto. A rotina de abortos seria tão frequente que Marcos Pereira
teria, segundo o ex-funcionário, um médico contratado para a prática
ilegal.
O que dizem os depoimentos contra o pastor Marcos Pereira
Estupros
O pastor estuprava as vítimas com a “desculpa” de que precisavam ser
salvas. Uma delas ouviu o pastor dizer que via “um espírito lésbico” a
rondando. As vítimas contam que sentiam-se fragilizadas quando eram
abordadas pelo pastor. Algumas chegam a se referir à “libertação
espiritual”. A Delegacia Especial de Combate às Drogas investiga seis
estupros que teriam sido praticados pelo pastor. Ele teve a prisão
preventiva decretada por dois estupros. O delegado Márcio Mendonça
afirma que outras 20 jovens podem ter sido estupradas por Marcos
Pereira.
Orgias
Uma jovem, que afirma ter sido violentada por oito anos pelo pastor
Marcos Pereira, disse durante depoimento em abril de 2013 que ela e o
pastor participaram de orgias com outras mulheres e com um garoto de
programa. Ela foi estuprada dos 14 aos 22 anos. Ao fim das orgias, o
pastor exigia que os participantes pedissem desculpas uns aos outros e
confessassem os pecados.
Sexo anal
Uma das vítimas conta que o pastor Marcos Pereira “tinha predileção por
sexo anal”. Pelo menos quatro mulheres que afirmam ter sido estupradas
pelo líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias afirmam ter sido
violentadas dessa forma pelo religioso.
Abortos
Segundo relatos das vítimas, o pastor Marcos Pereira não usava
preservativo. Uma delas afirmou em depoimento que o líder da Assembleia
de Deus dos Últimos Dias tinha um médico que fazia abortos, quando era
necessário.
Traição
Uma das mulheres que afirma ter sido estuprada pelo pastor Marcos
Pereira disse em depoimento que foi violentada em 2006, na noite em que
seu marido foi enviado pelo pastor para “evangelizar as pessoas” em uma
favela. Duas seguidoras foram até a casa da vítima e a convenceram a ir
até a sede da igreja, onde ocorreu o abuso.
Bíblia
Ex-mulher do pastor, Ana Madureira da Silva, afirmou em depoimento em
março de 2012 que Marcos Pereira nunca estudou profundamente a Bíblia e
que se baseava em “visões” que dizia ter com o “Anjo do Senhor”.
Engenhão
Uma das vítimas afirma ter ouvido o pastor pedir a um traficante
identificado como ‘Veneno’ que explodisse o Estádio do Engenhão. Segundo
ela, o pastor recebia e lavava dinheiro do tráfico através da venda de
CDs e de DVDs.
–
Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
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