Suspeitas de desvios de dinheiro e nomeação de parentes da presidente pesam sobre federação controlada por sindicatos fantasmas – e ligados ao PDT.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) contratou a PwC, uma empresa de auditores independentes, para realizar uma devassa nas contas e procedimentos da Federação das Indústrias do Estado do Amapá. A federação, que controla o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Indústria no estado, recebe repasses de cerca de R$ 20 milhões por ano das entidades nacionais. A auditoria começou há cerca de um mês, após a direção da CNI ter recebido informações de que sindicatos fantasmas passaram a controlar a federação, desviando dinheiro do caixa da entidade. Os problemas coincidiram com a posse, em janeiro deste ano, da nova presidente da federação: Joziane Rocha, que pertence ao principal clã político do estado e, não por acaso, está à frente do Sindicato de Joalheiros e Ourivesaria do Amapá, justamente um dos suspeitos de ser fantasma. Joziane era pouco conhecida no estado até adicionar o sobrenome Rocha, há quatro anos. Tendo como um dos padrinhos o senador José Sarney, do PMDB do Amapá, Joziane casou-se com Rosemiro Rocha, um dos mais notórios representantes do clã Rocha de políticos amapaenses. O expoente máximo do clã é primo de Rosemiro: o deputado federal Sebastião Bala Rocha, do PDT. A partir de 2009, Joziane passou a frequentar as melhores festas de Macapá e a aparecer ao lado de figuras importantes da política do estado, como Bala Rocha - que leva “Bala” no nome por ter sido, segundo ele mesmo, ligeiro nos gramados de futebol quando criança -, o governador Camilo Capiberibe, do PSB, e o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL /AP.
Sob a influência dos primos Rocha, Joziane assumiu a presidência do Sindicato de Joalheiros e Ourivesaria do Amapá em 2009, mesmo ano do enlace com Rosemiro. O sindicato de Joziane não tinha empresas filiadas por um motivo simples: só havia ourives artesanais e informais no Amapá. Nada de indústria. Ainda assim, com a ascendência de Bala Rocha no Ministério do Trabalho, administrado pelo PDT, o sindicato conseguiu um registro que reconheceu sua existência. O mesmo fenômeno ocorreu com outros seis sindicatos (mármores, reparação naval, pesca, papel e celulose, extração de óleos vegetais e material plástico). “Eu lembro dele (Bala Rocha) no ministério para conversar sobre esses sindicatos”, disse o ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi, que aprovou os registros. Cinco dos sete sindicatos, incluindo o de Joziane, têm o mesmo endereço como sede em Macapá. Meses antes dos registros, chegaram ao ministério denúncias sobre a condição fantasmagórica dos sete sindicatos. De nada adiantou. O Ministério do Trabalho deu vida aos fantasmas.
Começava ali a saga dos sindicatos fantasmas para controlar a federação
das indústrias, que, além de um orçamento milionário, emprega cerca de
500 pessoas, número superlativo para uma economia tão incipiente quanto a
do Amapá. Com a papelada do Ministério do Trabalho em mãos, os sete
sindicatos obtiveram na Justiça do Trabalho o direito de ingressar na
federação, mesmo sem comprovar a existência de uma única empresa
filiada.
A chegada dos sete sindicatos fantasmas à federação, que contava apenas
com 13, mudou o panorama. O ex-presidente da instituição Hidelgard
Gurgel - pertencente a um outro clã de políticos do Amapá, naturalmente –
foi afastado do cargo pela turma de Joziane. Logo depois, a mesma turma
sacou R$ 150 mil, em dinheiro vivo, de uma conta da federação no Banco
do Brasil, em Macapá. A operação foi ilegal – apenas o coordenador
regional do SENAI tinha autorização para movimentar essa conta.
Inconformado com o saque, esse funcionário prestou queixa à Polícia
Federal, que abriu uma investigação sobre o assunto.
Desde que assumiu a federação, ninguém teve notícias de medidas
sugeridas por Joziane capazes de transformar o Amapá numa potência
industrial. Joziane, porém, tratou logo de garantir o bem estar de sua
família. O marido é coordenador político da federação e tem salário de
aproximadamente R$ 20 mil. O pai, a mãe, a irmã, o irmão e a cunhada de
Joziane também estão na folha de pagamento, igualmente com bons
salários. Ligeiríssimo, o deputado Bala Rocha também empregou os seus. A
irmã e um primo garantiram cargos ligados à federação.
Bala Rocha está irrequieto. Sabe que a situação dos sete sindicatos
fantasmas é provisória. Existe um processo no Tribunal Superior do
Trabalho (TST) que trata da questão da legitimidade de tais sindicatos.
Nos últimos meses, Bala Rocha buscou sustentação política para Joziane
em Brasília. Um dos alvos de Bala Rocha foi o presidente da CNI, Robson
Andrade. “O Robson me disse que o Bala esteve lá (na CNI) para pedir
pela permanência de Joziane na federação”, disse à ÉPOCA Hidelgard
Gurgel, o político que perdeu o cargo para Joziane. Bala Rocha não quis
falar a ÉPOCA. Por meio de sua assessoria de imprensa, Bala Rocha
afirmou não ter feito lobby para os sete sindicatos no Ministério do
Trabalho e disse que os sindicatos não são fantasmas.
Por meio da assessoria de imprensa da CNI, Robson Andrade confirmou a
visita de Bala Rocha ao seu gabinete, mas disse que não conversaram
sobre questões da federação. Robson Andrade disse, ainda, que não pode
interferir em assuntos das federações estaduais, que tem, segundo ele,
autonomia. No entanto, após ser procurada por ÉPOCA, a CNI contratou a
PwC para fazer auditoria nas seções do SESI e do SENAI no Amapá,
controladas por Joziane. Os trabalhos deverão ser concluídos até o fim
deste mês e levados às reuniões dos conselhos nacionais das duas
entidades em Brasília. ÉPOCA apurou, no entanto, que a auditoria
encontrou irregularidades de vários tipos, especialmente na contratação
de fornecedores. A reportagem enviou 15 perguntas à Federação do Amapá,
sem obter respostas. Encontrar Joziane Rocha é tão difícil quanto achar
vestígios das indústrias filiadas à federação que ela preside.
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