Todo mundo em Macapá já ouviu falar sobre o "Queimadão da Paz", encontro
que ocorre nas terças e quintas-feiras, na praça pública Barão do Rio
Branco, com inicio sempre após a meia-noite. Você deve achar estranho
jogar queimada de madrugada, mas é que o "Queimadão da Paz" não é apenas
uma disputa ou uma brincadeira, mas sim, uma confraternização que reúne
a comunidade gay da capital amapaense e demais municípios visitantes, acabou chamando atenção de toda
a cidade.
Queimada
é um jogo popular comumente praticado por crianças em ruas pouco
movimentadas .
Na praça Barão do Rio Branco, são traçados dois campos, a linha divisória são
as sandálias, chinelas ou tamancos dos jogadores, é a metade de uma
quadra de vôlei. As equipes ficam cada uma em uma das metades da quadra,
um jogador deve arremessar a bola, de preferência bem forte. O
adversário tem que agarrar a bola, sem deixar cair no chão, caso
contrário estará queimado e deve ir então para o “cemitério”. Vence a
equipe que conseguir eliminar todos os adversários.
O Queimadão surgiu em maio de 2005, período em que já estavam ocorrendo
os ensaios das quadrilhas juninas - a presença da comunidade LGBTs
também é bastante forte nas quadrilhas juninas, alguns entrevistados
dizem que a afinidade tem a ver com a dança, as coreografias e tudo mais
– e foi idéia de um grupo que não participava das partidas de futebol
realizadas após os ensaios. Neste grupo estava Deo, cansado de ficar na
reserva dos times da "pelada", resolveu aproveitar uma bola que estava
sobrando e jogar queimada na quadra ao lado daquela onde rolava o
futebol. Deo, Biscoito, Carlinhos, Elton e outros começaram a se reunir
para praticar o que ele, que perdeu alguns quilos jogando, prefere
chamar de esporte, e também para bater-papo e se divertir depois dos
ensaios.
O nome "Queimadão da Paz" tem relação com a antiga rivalidade existente
entre as quadrilhas que agora é resolvida durante as partidas. Eis a
função apaziguadora das queimadas que logo atrairam novos adeptos,
curiosos e torcedores. E "Onde uma bicha vai, as outras vão atrás", como
diz Deo, 35 anos, consultor de vendas e estudante. Um amigo chamou o
outro e o Queimadão virou point,com direito a apoio policial para evitar
problemas.
Apesar da grande presença de homossexuais, a queimada é freqüentada por
um público bastante eclético e todos podem jogar: homens contra homens,
homens contra mulheres, homos, heteros, bissexuais, transgêneros etc. As
equipes são compostas geralmente por 12 pessoas em cada time; aqui
também vale a diversidade, não há regra para a composição das equipes.
As principais são: Guarás, Lótus Negras, As Caralhentas e Os
Gladiadores.
Os nomes dos times são tão irreverentes quanto o todo vocabulário
utilizado entre a comunidade gay. Os apelidos e gírias são berrados nas
partidas (A Sabiá, A Vovó do Queimadão, A Mini-frasco, A Cupim e ainda A
Secareli) e quem assiste acaba aprendendo o significado de palavras
como: aquenda, aqué, elza, mona, bofe, odara, edir etc – dá até pra
fazer um minidicionário gay.
Sobre a grande repercussão entre a comunidade gay, Deo acredita que o
sucesso também tem a ver com a carência de points LGBTs em Macapá. Ele
acha que esta necessidade fez com que a comunidade tornasse o encontro
em uma das maiores "badalações" dos últimos tempos. "A cidade cresceu,
mas ainda faltam opções para atender as pessoas que gostam de curtir a
noite durante a semana - então as pessoas criam espaços, é por isso que
aqui não tem apenas os gays, mas principalmente pessoas que querem
curtir as madrugadas de terça e quinta".
Alexandro Colares, o presidente do Movimento Gay do Estado do Amapá – MOGAP –
diz que hoje o Queimadão alcançou um certo respeito porque a comunidade
gay pôde se mostrar para a sociedade amapaense de uma forma diferente
daquela já configurada pelo senso-comum. “Você pode olhar, aqui não tem
ninguém se agarrando ou fazendo qualquer coisa que possa ser considerado
vulgar, isso faz com que todo mundo mantenha um clima de respeito. Todo
mundo paquera normalmente sem deixar as pessoas constrangidas”.
Outra característica interessante é o caráter filantrópico do Queimadão.
Durante os jogos, os organizadores arrecadam alimentos não perecíveis
para serem doados para pessoas carentes. Em algumas oportunidades eles
também realizam eventos-extras para aumentar a arrecadação. Um exemplo
disso foi um torneio de queimada realizado dentro do Avestino Ramos, o
principal ginásio da cidade, cobrando a doação como entrada. Não deu
outra, a casa ficou lotada, a mídia compareceu e tal.
As partidas da Praça Barão do Rio Branco atraíram também comerciantes
informais que aproveitam o grande público para fazer um dinheirinho
extra. O fenômeno das queimadas repercutiu tanto que o evento já foi
proibido de ocorrer no local. Mas depois de alguma articulação a praça
foi liberada, mas a organização e comerciantes se responsabilizam em
manter o lugar limpo.
Mas nem tudo é perfeito: a galera do Queimadão conseguiu o apoio do
público, mas ainda se sente discriminada pelas instituições que ainda
não conseguiram assimilar a referência positiva que essa manifestação
tem. Por determinação do Ministério Público, os comerciantes autônomos
não podem mais vender nas proximidades do point, após a meia-noite. “A
polícia até queria que a gente parasse de jogar queimada porque eles
dizem que os ambulantes vão para lá por conta do nosso movimento, mas
isso é uma questão que está fora do nosso controle”, diz Deo.
O Queimadão tem uma diretoria, composta por pessoas comuns. São
pedagogos, estilistas, instrutores de academias de ginástica,
estudantes, coreógrafos etc. Profissionais que dividem seu tempo e que
têm outros projetos na gaveta, assim como o “Queimadão Solidário”, e que
dependem de parcerias. Deo diz que o objetivo é tornar o trabalho
social ainda mais sólido, realizar competições oficiais, produzir mais
eventos e o que mais vier.
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