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quarta-feira, 24 de julho de 2013

9 anos de queimadão da paz

Todo mundo em Macapá já ouviu falar sobre o "Queimadão da Paz", encontro que ocorre nas terças e quintas-feiras, na praça pública Barão do Rio Branco, com inicio sempre após a meia-noite. Você deve achar estranho jogar queimada de madrugada, mas é que o "Queimadão da Paz" não é apenas uma disputa ou uma brincadeira, mas sim, uma confraternização que reúne a comunidade gay da capital amapaense e demais municípios visitantes, acabou chamando atenção de toda a cidade.

Queimada é um jogo popular comumente praticado por crianças em ruas pouco movimentadas .
Na praça Barão do Rio Branco, são traçados dois campos, a linha divisória são as sandálias, chinelas ou tamancos dos jogadores, é a metade de uma quadra de vôlei. As equipes ficam cada uma em uma das metades da quadra, um jogador deve arremessar a bola, de preferência bem forte. O adversário tem que agarrar a bola, sem deixar cair no chão, caso contrário estará queimado e deve ir então para o “cemitério”. Vence a equipe que conseguir eliminar todos os adversários.

O Queimadão surgiu em maio de 2005, período em que já estavam ocorrendo os ensaios das quadrilhas juninas - a presença da comunidade LGBTs também é bastante forte nas quadrilhas juninas, alguns entrevistados dizem que a afinidade tem a ver com a dança, as coreografias e tudo mais – e foi idéia de um grupo que não participava das partidas de futebol realizadas após os ensaios. Neste grupo estava Deo, cansado de ficar na reserva dos times da "pelada", resolveu aproveitar uma bola que estava sobrando e jogar queimada na quadra ao lado daquela onde rolava o futebol. Deo, Biscoito, Carlinhos, Elton e outros começaram a se reunir para praticar o que ele, que perdeu alguns quilos jogando, prefere chamar de esporte, e também para bater-papo e se divertir depois dos ensaios.

O nome "Queimadão da Paz" tem relação com a antiga rivalidade existente entre as quadrilhas que agora é resolvida durante as partidas. Eis a função apaziguadora das queimadas que logo atrairam novos adeptos, curiosos e torcedores. E "Onde uma bicha vai, as outras vão atrás", como diz Deo, 35 anos, consultor de vendas e estudante. Um amigo chamou o outro e o Queimadão virou point,com direito a apoio policial para evitar problemas.

Apesar da grande presença de homossexuais, a queimada é freqüentada por um público bastante eclético e todos podem jogar: homens contra homens, homens contra mulheres, homos, heteros, bissexuais, transgêneros etc. As equipes são compostas geralmente por 12 pessoas em cada time; aqui também vale a diversidade, não há regra para a composição das equipes. As principais são: Guarás, Lótus Negras, As Caralhentas e Os Gladiadores.

Os nomes dos times são tão irreverentes quanto o todo vocabulário utilizado entre a comunidade gay. Os apelidos e gírias são berrados nas partidas (A Sabiá, A Vovó do Queimadão, A Mini-frasco, A Cupim e ainda A Secareli) e quem assiste acaba aprendendo o significado de palavras como: aquenda, aqué, elza, mona, bofe, odara, edir etc – dá até pra fazer um minidicionário gay.

Sobre a grande repercussão entre a comunidade gay, Deo acredita que o sucesso também tem a ver com a carência de points LGBTs em Macapá. Ele acha que esta necessidade fez com que a comunidade tornasse o encontro em uma das maiores "badalações" dos últimos tempos. "A cidade cresceu, mas ainda faltam opções para atender as pessoas que gostam de curtir a noite durante a semana - então as pessoas criam espaços, é por isso que aqui não tem apenas os gays, mas principalmente pessoas que querem curtir as madrugadas de terça e quinta".

Alexandro Colares, o presidente do Movimento Gay do Estado do Amapá – MOGAP – diz que hoje o Queimadão alcançou um certo respeito porque a comunidade gay pôde se mostrar para a sociedade amapaense de uma forma diferente daquela já configurada pelo senso-comum. “Você pode olhar, aqui não tem ninguém se agarrando ou fazendo qualquer coisa que possa ser considerado vulgar, isso faz com que todo mundo mantenha um clima de respeito. Todo mundo paquera normalmente sem deixar as pessoas constrangidas”.

Outra característica interessante é o caráter filantrópico do Queimadão. Durante os jogos, os organizadores arrecadam alimentos não perecíveis para serem doados para pessoas carentes. Em algumas oportunidades eles também realizam eventos-extras para aumentar a arrecadação. Um exemplo disso foi um torneio de queimada realizado dentro do Avestino Ramos, o principal ginásio da cidade, cobrando a doação como entrada. Não deu outra, a casa ficou lotada, a mídia compareceu e tal.

As partidas da Praça Barão do Rio Branco atraíram também comerciantes informais que aproveitam o grande público para fazer um dinheirinho extra. O fenômeno das queimadas repercutiu tanto que o evento já foi proibido de ocorrer no local. Mas depois de alguma articulação a praça foi liberada, mas a organização e comerciantes se responsabilizam em manter o lugar limpo.

Mas nem tudo é perfeito: a galera do Queimadão conseguiu o apoio do público, mas ainda se sente discriminada pelas instituições que ainda não conseguiram assimilar a referência positiva que essa manifestação tem. Por determinação do Ministério Público, os comerciantes autônomos não podem mais vender nas proximidades do point, após a meia-noite. “A polícia até queria que a gente parasse de jogar queimada porque eles dizem que os ambulantes vão para lá por conta do nosso movimento, mas isso é uma questão que está fora do nosso controle”, diz Deo.

O Queimadão tem uma diretoria, composta por pessoas comuns. São pedagogos, estilistas, instrutores de academias de ginástica, estudantes, coreógrafos etc. Profissionais que dividem seu tempo e que têm outros projetos na gaveta, assim como o “Queimadão Solidário”, e que dependem de parcerias. Deo diz que o objetivo é tornar o trabalho social ainda mais sólido, realizar competições oficiais, produzir mais eventos e o que mais vier.

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