SENTENçA
ata: 24/01/2013 agistrado: ALMIRO DO SOCORRO AVELAR ENIUR
Teor do Ato:
1 – RELATÓRIO.
ROBERVAL COIMBRA ARAÚJO ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais
contra GILVAM PINHEIRO BORGES alegando, em síntese, que no dia 19 de
novembro de 2010 foi publicada no Jornal do Dia uma entrevista
envolvendo o autor com o título Gilvam Borges abre o jogo e conta tudo,
onde o réu afirmou que esse sujeito (Roberval Araújo) é um bandido. E
quem tem que tratar com bandido é a polícia e a justiça. E ambas estão
agindo.
Por conseguinte, o autor requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral.
Juntou aos autos os documentos de fls. 17-28.
Em contestação (fls. 31-38), preliminarmente, a parte demandada
requereu aplicação da imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da
Constituição Federal. No mérito, afirmou que não há falar em danos
morais, nos vertentes autos, uma vez que o réu exerceu o regular direito
de informar a sociedade de fatos de interesse público. Ao final, pugnou
pela improcedência do pedido autoral.
O autor ofertou réplica à contestação (fls. 41-46).
Em audiência preliminar, o feito foi saneado (fl. 48).
Na audiência de instrução e julgamento foi colhido o depoimento pessoal do autor e das testemunhas (fls. 48-55).
As alegações finais do autor constam às fls. 56-60; o réu, não
obstante intimado em audiência (fl. 49), não apresentou suas derradeiras
alegações.
2 – FUNDAMENTAÇÃO.
Analiso inicialmente a questão prejudicial suscitada na contestação,
ou seja, de que as entrevistas e manifestações descritas na inicial são
decorrentes do seu mandado parlamentar, portanto estariam acobertadas
pela imunidade prevista no art. 53 da Constituição Federal.
Neste desiderato, ainda que a questão se entrelace ao mérito da
demanda, ressalto que a imunidade parlamentar só constitui direito
absoluto quando o parlamentar fizer uso da palavra em defesa de seu
mandato, não sendo aplicada quando ofender honra, imagem, nome dentre
outros de terceiro em programas de rádio e televisão ou mesmo em site de
notícia como no presente caso, pois em casos tais não há nexo de
causalidade entre as funções do mandato e a conduta perpetrada.
Sobre o assunto, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO PENAL – CRIMES CONTRA A HONRA – TRANCAMENTO DA QUEIXA-CRIME
– IMUNIDADE PARLAMENTAR -OFENSAS PROFERIDAS FORA DO ÂMBITO DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA – AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM A ATIVIDADE
PARLAMENTAR. – A imunidade, em sentido material, prevista no art. 53 da
CF, não alcança manifestações proferidas com finalidade diversa da
função parlamentar. Assim, as ofensas perpetradas fora do âmbito da
Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o exercício do
mandato, ustificam o prosseguimento da ação penal. – Precedentes. –
Ordem denegada. (HC 22.556/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA
TURMA, julgado em 22/04/2003, DJ 18/08/2003, p. 216)”.
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. IMUNIDADE
MATERIAL PARLAMENTAR. EVENTUAIS OFENSAS DESVINCULADAS DO EXERCÍCIO DO
MANDATO. ORDEM DENEGADA. 1. Conforme entendimento jurisprudencial, a
imunidade do deputado estadual, prevista no art. 27, § 1º, c/c 53 da
Constituição Federal, … não alcança manifestações proferidas com
finalidade diversa da função parlamentar. Assim, as ofensas perpetradas
fora do âmbito da Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o
exercício do mandato, ustificam o prosseguimento da ação penal (HC
22.556/SP, Quinta Turma, DJ de 18/8/2003, p. 216). 2. Na hipótese dos
autos, o impetrante não logrou demonstrar a vinculação dos fatos
atribuídos à paciente com a sua condição de parlamentar, faltando liame
entre a manifestação e o exercício do mandato de deputada estadual,
tratando-se, a uma primeira vista, de ofensa de cunho pessoal. 3. Ordem
denegada. (HC 39.922/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA
TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 311)”.
Portanto com relação as manifestações decorrentes do seu mandado
parlamentar, aplica-se o princípio da imunidade parlamentar. Contudo,
não pode ser aplicada referida imunidade às entrevistas concedidas para
jornais sobre questões alheias ao exercício do mandato.
Ademais, é fato incontroverso a existência das veiculações tidas como
ofensivas, cabendo, de resto, comprovação por parte do requerido da
veracidade das informações e posterior avaliação se essa veiculação, em
si, acarreta ou não ofensa à honra do autor.
Noticia o autor, que o requerido teria lhe causado prejuízo ao
veicular a seguinte matéria: Gilvam Borges abre o jogo e conta tudo,
onde o réu afirmou que esse sujeito (Roberval Araújo) é um bandido. E
quem tem que tratar com bandido é a polícia e a justiça. E ambas estão
agindo.
Não é preciso esforço para perceber que foi imputado ao autor, por
via direta e transversa, conduta moralmente repreensiva e ilícita
através da entrevista do requerido e refletida nos meios de comunicação,
como rádio, televisão e publicações na internet.
Certamente pode e deve o requerido, enquanto parlamentar, divulgar
informações de interesse público, esse fato não se acha em discussão,
contudo deveria respeitar, ao se manifestar através dos meios de
comunicação, outro mandamento constitucional, tão importante quanto o
que resguarda a liberdade de informação ou mais até, o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
No presente caso não se trata de mera divulgação de fatos. O
requerido teceu comentários pessoais depreciativos sobre o autor tendo
afirmado que o autor é um bandido, restando evidente que tal imputação
pessoal,da forma como ocorreu no presente caso, ofender a honra do
demandante.
A propósito:
“.(…) As pessoas públicas, malgrado mais suscetíveis a críticas, não
perdem o direito à honra. Alguns aspectos da vida particular de pessoas
notórias podem ser noticiados. No entanto, o limite para a informação é o
da honra da pessoa. Com efeito, as notícias que têm como objeto pessoas
de notoriedade não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas,
pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não
pode ser ultrapassada. Por outro lado, não prospera o argumento de que
inexistia o animus de ofender a vítima. O exame das declarações
difundidas nos programas de rádio revela evidente a vontade consciente
de atingir a honra da ora recorrida, mediante imputação de atos
tipificados como crime, como corrupção passiva, ou de atos que
simplesmente a desmoralizam perante a sociedade. Com efeito, estando
evidente o abuso do direito de informar, a indenização por danos morais é
medida que se impõe. (…).(REsp 706.769/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009)”.
Com efeito, o réu não se desincumbiu do ônus de provar a veracidade
das informações contidas nas entrevistas, principalmente a referente a
imputação de ato ilícito ao autor, portanto deve indenizar o autor pelos
danos sofridos com a veiculação da entrevista e, principalmente, por
conta das publicações nos jornais e na internet, sem a devida cautela,
tendo a entrevista de fl. 28 maculado a reputação do autor perante os
ouvintes, telespectadores, colegas de trabalho e familiares, sem que ao
menos fosse dado ao autor direito de se defender, estando demonstrado
que o requerido se excedeu no exercício do direito de divulgar
informações.
Para os leitores, ouvintes e telespectadores desavisados o autor
ficou caracterizado como um bandido, sem que o réu tenha comprovado tal
alegação.
Em casos análogos o Egrégio TJAP pacificou os seguintes entendimentos:
CONSTITUCIONAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL. OFENSA À HONRA. AGRAVO RETIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. PRELIMINAR DE
NULIDADE DO PROCESSO. IMUNIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE NEXO COM O
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO
QUANTUM FIXADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) O magistrado, no uso do
poder instrutório que lhe confere o art. 130 do Código de Processo
Civil, se encontra autorizado a indeferir provas que julgar inúteis, se
formar o convencimento, a qualquer tempo, de que o acervo documental é
suficiente para o julgamento da causa 2) Não se pode confundir imunidade
com impunidade. A proteção legal não é absoluta e nem fonte
autorizadora de abusos que permita ao parlamentar causar dano de ordem
moral a bens urídicos alheios como a honra, direito pessoal e social
elevado à garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da
Constituição Federal. 3) Impõe-se a redução do valor fixado a título de
dano moral se o quantum arbitrado se revelar dissonante dos critérios de
razoabilidade e proporcionalidade. 5) Recurso parcialmente provido.
(TJAP – AC n. 0019199-06.2007.8.03.0001 – Acórdão n. 23475 – Câmara
Única – Rel. Desembargador DÔGLAS EVANGELISTA RAMOS – Publicado no DJE
N.º 72 em 20/04/2012).
CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL. OFENSA À HONRA. AGRAVOS RETIDOS. IMUNIDADE MATERIAL.
INEXISTÊNCIA DE NEXO COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR. NULIDADE DO
PROCESSO EM RAZÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE
PRODUÇÃO DE PROVAS DOCUMENTAIS. INOCORRÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM EM RELAÇÃO AO PARTIDO SOCIALISTA CRISTÃO (PSC). AUSÊNCIA DE
INTERESSE PROCESSUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO. REDUÇÃO.
RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1) O Magistrado a quo poderá indeferir provas
que as considere protelatórias para o feito, já que o julgamento é
medida que se impõe; 2) Não interpondo o recurso de apelação, a via
restou preclusa, nada podendo ser aproveitada em seu favor, por ausência
de interesse processual; 3) A honra, direito pessoal e social elevado à
garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da Constituição
Federal, deve ser resguardada, mesmo no o âmbito do mandato parlamentar;
4) Se o quantum referente a compensação pelo dano moral, for fixado
fora dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, deve ser
reduzido, até porque sua finalidade é pedagógica e não causa de
enriquecimento. 5) Recurso provido em parte. (TJAP – AC n.
0019156-98.2009.8.03.0001 – Acórdão n. 18652 -Câmara Única – Rel.
Desembargador LUIZ CARLOS – Julgado em 10/05/2011- Votação unânime –
Publicado no DJE n. 85, de 13/05/2011).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL CONTRA
DEPUTADO ESTADUAL – PALAVRAS E OPINIÕES DE CARÁTER PESSOAL MANIFESTADAS
EM ENTREVISTA CONCEDIDA A JORNAL – IMUNIDADE MATERIAL – INOCORRÊNCIA
-INEXISTENCIA DE NEXO COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR -SENTENÇA
CASSADA – RECURSO PROVIDO. 1) A prerrogativa jurídica da imunidade,
destinada a proteger o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos,
somente pode ser invocada quando os seus pronunciamentos guardem conexão
com o desempenho do mandato, ou tenham sido proferidos em razão dele;
2) As palavras e opiniões de caráter estritamente pessoal manifestadas
por Deputado Estadual em entrevista ornalística e tidas como ofensivas
às honras de terceiros não se encontram acobertadas pela imunidade
material, porquanto não guardam nexo com o exercício da função
parlamentar, a teor do mandamento finalístico contido no art. 53, da
Constituição Federal; 3) A honra, direito pessoal e social elevado à
garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da Constituição Federal,
não pode ser simplesmente ignorada quando as palavras, votos e opiniões
extrapolam o âmbito do mandato parlamentar; 4) Recurso provido para
cassar a d. sentença proferida e determinar que a d. Magistrada conclua a
instrução processual e julgue o pedido, no seu mérito, como lhe parecer
de direito. (TJAP – AC n. 1012/01- Acórdão n. 5251 – Câmara Única –
Rel. Desembargador MELLO CASTRO – Julgado em 03/12/2002- Votação maioria
– Publicado no DOE N.º 2989, pág. 19, de 11/03/2003).
No particular, como é de comum conhecimento, os critérios a observar,
de modo geral, são: a intensidade do dano; o grau de culpa ou dolo do
ofensor; as circunstâncias em que se ocorridos os fatos danosos; a
condição social do autor; a capacidade econômica do requerido; e, por
fim, a necessidade de se evitar o enriquecimento injustificado. Há que
se ter em mente, ainda, as funções compensatória, punitiva e inibitória
de que se deve revestir a indenização, eis que destinada não só a
reparar, de algum modo, o dano, mas também a servir de reprimenda ao
causador do ilícito e prevenir a repetição de comportamentos similares.
A acusação se reveste de acentuada gravidade, sem qualquer atenção
com a veracidade das informações, expondo a vida pessoal do autor e lhe
imputa conduta ilícita.
Por conseguinte, tenho como justo e necessária à reparação a quantia
de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), levando-se em consideração a
capacidade financeira do requerido.
3 – DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial,
condenando o requerido a pagar ao autor, a título de indenização por
dano moral, a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), devendo incidir
correção monetária pelo INPC a contar desta sentença (súmula 362 do
STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso,
19/11/2010, data da veiculação da entrevista, nos termos do verbete nº
54 da Súmula do STJ.
Em decorrência da sucumbência, condeno a parte requerida ao pagamento
das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios do
patrono do autor, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, na forma do art. 20, § 3º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se eletronicamente.
Intimem-se.
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