L I M I N A RVistos, etc.
1.MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ
, por
sua Procuradoria Geral, impetrou Mandado de Segurança, com expresso
pedido de liminar, contra atos atribuídos ao Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado do Amapá e ao Presidente da Comissão Parlamentar
de Inquérito do Ministério Público – CPI do MP, os Senhores Deputados
Estaduais Moisés Souza e Zezé Nunes, respectivamente, nos termos da Lei nº 12.016/09, alegando o seguinte, em suma.
2.Através da Portaria nº 2805/12-AL, de 29/05/2012, a primeira
autoridade reputada coatora, na condição de Presidente da AL/AP nomeou
Comissão Parlamentar de Inquérito com as seguintes finalidades:
a) apurar a execução dos Termos de Ajustamento de Conduta assinados
pelo Ministério Público do Estado do Amapá e as empresas MMX Amapá
Mineração Ltda e Anglo Ferrous Amapá Mineração Ltda, pelos danos
ambientais causados durante o processo de exploração de minério de ferro
no Estado;
b) promover fiscalização em toda documentação relativa à concessão de
licença prêmio dos procuradores e promotores de Justiça, referentes aos
exercícios de 2004 a 2012;
c) fiscalizar a documentação referente às concessões de auxílio
moradia e diárias pagas a procuradores e promotores de Justiça,
referentes aos exercícios de 2004 a 2012;
d) fiscalizar pagamentos de despesas médicas para os membros do
Ministério Público, referentes aos exercícios de 2004 a 2012, com nomes
valores e especialidades médicas;
e) fiscalizar gastos com cargos comissionados, inclusive seus detalhamentos referentes aos exercícios de 2004 a 2012;
f) fiscalizar a composição das bancas examinadoras referentes aos três últimos concursos, bem como listas de aprovados;
g) fiscalizar todos os pagamentos referentes à Parcela Autÿnoma de
Equivalência – PAD e seus beneficiários também relativas aos exercícios
2004 a 2012.
3.Assegurou que, a partir disso, viu-se notificado a apresentar, no
prazo exíguo de cinco dias, uma série de documentos requisitados pela
referida CPI, pena de sofrer demanda judicial de busca e apreensão. O
prazo para oferta dos documentos, a vencer no dia do protocolo da
impetração, não haveria como ser cumprido, o que motivou pedido de
prorrogação.
4.Sustentou que os atos em questão são arbitrários e ilegais, visto
que, nos termos do art. 58, § 3º, da CF, as comissões parlamentares de
inquérito só podem ser criadas para apuração de fato determinado e por prazo certo,
regra constitucional essa que delimita o campo de atuação do inquérito
parlamentar. No caso, a CPI foi instaurada para apuração de fatos genéricos,
decorrente de requerimento do próprio Presidente da Assembléia
Legislativa como represália à deflagração da chamada Operação Eclesia,
onde o impetrante investiga atos de corrupção no Poder Legislativo
Estadual.
5.Salientou que, diante da exigência constitucional da determinação
do seu objeto, as CPIs não podem ser criadas para averiguar possíveis
irregularidades em contratos ou convênios ou investigar atos praticados
por administrações passadas, mormente quando já submetidos ao Tribunal
de Contas do Estado, competente para o controle externo de forma
genérica, tal como pretende as autoridades impetradas em sua CPI, essa
que só pode investigar fatos concretos.
6.Demais disso, o Termo de Ajustamento de Conduta motivador da
instalação da CPI é ato institucional já convalidado tanto pelo Tribunal
de Contas do Estado quanto pelo Conselho Nacional do Ministério
Público, órgãos esses de controle externo da atuação administrativa e
financeira do Ministério Público local.
7.Ressaltou também que as autoridades impetradas, ao deixar de
noticiar ao impetrante acerca da instalação da CPI, atropelaram
procedimentos administrativos imprescindíveis, e violaram direito
líquido e certo do investigado, por não lhe assegurar os princípios
constitucionais da legalidade, da ampla defesa, do contraditório, do
devido processo legal e da publicidade, impedindo o investigado de saber
da existência da CPI e de seu objeto.
8.Afirmou, por fim, que o ato de instauração da CPI encontra-se
viciado por desvio de finalidade, logo nulo de pleno direito, na medida
em que instrumento utilizado pela Casa de Leis do Amapá comoarma de pressão para fazer cessar as investigações que recaem sobre alguns parlamentares,
direcionamento abusivo esse que, inclusive, já fora recentemente
evidenciado em reportagem de emissora de televisão de rede nacional.
9.Por tais razões, afirmando presentes os pressupostos autorizadores,
pediu a concessão de liminar destinada à suspensão dos trabalhos da CPI
até o julgamento do mérito do mandamus e, neste a anulação da Portaria nº 2805/12-AL, que instaurou a comissão investigatória.
10.A inicial veio instruída com diversos documentos relativos aos atos administrativos impugnados (fls. 41/338).
11.Estes os fatos e os fundamentos jurídicos da impetração, passo a
apreciar o pedido de liminar, antecipando que merece acolhimento, uma
vez que percebo a presença dos requisitos estampados no art. 7º, inc.
III, da Lei nº 12.016/2009, que lhe são autorizadores, a saber: a
relevância dos fundamentos fático-jurídicos nos quais se embasam o
pedido – sua causa de pedir -, e a possibilidade da medida pretendida se
tornar inócua no curso da mandamental, caso ao final seja deferida.
12.O artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, dedicado às Comissões Parlamentares de Inquérito, tem a seguinte dicção:
“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros
previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a
apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões,
se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
13.Disso se vê que, para viabilizar-se no âmbito das Casas
Legislativas, a instauração de inquérito parlamentar está vinculada à
satisfação de três [03] exigências definidas, de modo taxativo, no texto
do art. 58, § 3º, da Constituição Federal:
a) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa;
b) indicação de fato determinado a ser objeto da apuração legislativa, e
c) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
14. Uma vez preenchidos os requisitos constitucionais, impõe-se a
criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso
mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Assim, atendidas
tais exigências, cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os
procedimentos subseqÿentes e necessários à efetiva instalação da CPI.
15.Para o impetrante, no contexto, a instauração da chamada CPI do MP
pela Assembleia Legislativa do Amapá é ato eivado de ilegalidade e
abusividade pelo não preenchimento do segundo requisito acima mencionado
[indicação de fato determinado a ser objeto da apuração legislativa].
16.Analisando o teor da Portaria nº 2805/12-AL, verifico que a Casa
de Leis deste Estado – curiosamente após deflagração da operação
denominada Eclésia – instaurou Comissão Parlamentar de Inquérito
objetivando apurar e fiscalizar diversos atos de gestão financeira do
Ministério Público Estadual, e isso em um período de 08 [oito] anos, sem
indicar, não obstante, com precisão, um só fato determinado a ser objeto da apuração.
17.Fato determinado, para fins de cumprimento do art. 58, § 3º, da
Constituição Federal, é a causa provável de ilícitos administrativos que
justificariam sua específica apuração por comissão parlamentar. O fato
determinado, então, configura-se como fato concreto e individualizado,
não podendo ser instaurada CPI para atacar questões genéricas, como
corrupção, responsabilidade governamental, política, econÿmica etc.
18.Bem ao contrário de fixar um fato determinado a ser apurado pelo
Legislativo, através de comissão parlamentar de inquérito, o teor do ato
oficial de instauração da CPI [Portaria nº 2805/12-AL] estabeleceu
objetivos genéricos, destituídos da necessária e específica indicação de
causa provável de ilícitos administrativos por parte do Ministério
Público Estadual, isso que se qualificaria como pressuposto legitimador
da ruptura, por parte do Poder Legislativo do Estado, da esfera de
subjetividade pública da gestão ministerial garantida pela Constituição
da República.
19.Sem dúvida, os parlamentares desvestem-se da roupagem de
legisladores para adquirir a pertinente aos magistrados. Contudo, seus
poderes decisórios não são idênticos aos dos juízes, mas apenas àqueles
limitados à investigação. Logo, os poderes, previstos na regra
constitucional acima ou mesmo nos regimentos das Casas de Leis, não
podem, no que concerne à magistratura, ser superiores a de uma
investigação, à falta de previsão constitucional.
20. Deveras, o princípio constitucional em questão é salutar, pois da
mesma forma que nos processos judiciais as questões submetidas a
julgamento, no controle difuso, são pontuais, não se podendo num mesmo
processo discutir teses variadas sobre variados e desconectados fatos,
também, sabiamente, o constituinte, ao outorgar poderes de magistrado ao
parlamentar, submeteu-o às regras próprias do processo investigatório
judicial. Daí não se poder admitir instauração de CPI nos moldes como
aparentemente o foi pelo ato impugnado neste mandamus.
21.Saliente-se, desde logo, que a ocorrência de desvios
jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de
Inquérito justifica o exercício, pelo Judiciário, da atividade de
controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos. Isso é assim
porque o Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias
constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da
Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições
que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação
institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.
22.Os fundamentos acima expostos estão plenamente embasados em orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como claramente se vê dos seguintes julgados:
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO
BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS
– FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA – INADMISSIBILIDADE – CONTROLE JURISDICIONAL –
POSSIBILIDADE – CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DO ATO DE “DISCLOSURE” –
INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO
DE PODERES – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. A QUEBRA DE SIGILO – QUE SE
APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO INDICA FATOS CONCRETOS E
PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO – CONSTITUI ATO EIVADO DE
NULIDADE. – A quebra do sigilo inerente aos registros
bancários, fiscais e telefÿnicos, por traduzir medida de caráter
excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional,
quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório
apoia-se em formulaçÍ es genéricas, destituídas da necessária e
específica indicação de causa provável, que se qualifica como
pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de
intimidade a todos garantida pela Constituição da República.
Precedentes. Doutrina. O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS
PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO
DA SEPARAÇÃO DE PODERES. – O Supremo Tribunal Federal, quando
intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a
integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo,
abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito, desempenha, de
maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria
Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, nesse
contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da
Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Doutrina. Precedentes [MS 25668 / DF. Tribunal Pleno. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/06/2003. Publicação: DJ 04-08-2006].
O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES:
POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU
GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. O Poder Judiciário, quando
intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a
integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira
plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da
República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera
orgânica do Poder Legislativo. Não obstante o caráter político dos atos
parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre
que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela
Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a
direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e
titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões
políticas. Doutrina. Precedentes. A ocorrência de desvios
jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de
Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da
atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos
(RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima
interferência na esfera orgânica de outro Poder da República. [MS 24849 / DF. Tribunal Pleno. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 22/06/2005. Publicação: DJ 29/09/2006].
23.Destarte, porque manifesta a fumaça do bom direito nas argumentações mandamentais, somadas a presença do periculum in mora
na eventual prestação jurisdicional postulada somente pelo mérito da
impetração, quando aí já perpetrada a lesividade ao direito líquido e
certo reclamado nesta ação pela invasão, por parte do Poder Legislativo
Estadual, na esfera de subjetividade pública da gestão do órgão
ministerial autor.
24.Pelo exposto, concedo a liminar pleiteada na
petição inicial, e em consequência, determino a suspensão dos trabalhos
da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Portaria nº
2805/12-AL, até julgamento do mérito desta ação constitucional.
25.Notifiquem-se as autoridades impetradas da presente decisão,
requisitando-lhes, ademais, informações que deverão ser prestadas no
prazo de dez dias.
26.Após, abra-se vista à Procuradoria Jurídica da Assembleia
Legislativa, pelo prazo de dez dias, para fins do art. 7º, inciso II, da
Lei do Mandado de Segurança [Lei nº 12.016/2009].
27.Em seguida, ao Ministério Público para emissão de parecer.
28.Intimem-se.
Atenciosamente,
Manuella Dias Araujo
OAB/AP 1800
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