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quinta-feira, 21 de junho de 2012

CPI do MPE – A decisão do desembargador Raimundo Vales

 L I M I N A RVistos, etc.
1.MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ
, por sua Procuradoria Geral, impetrou Mandado de Segurança, com expresso pedido de liminar, contra atos atribuídos ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amapá e ao Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Ministério Público – CPI do MP, os Senhores Deputados Estaduais Moisés Souza e Zezé Nunes, respectivamente, nos termos da Lei nº 12.016/09, alegando o seguinte, em suma.
2.Através da Portaria nº 2805/12-AL, de 29/05/2012, a primeira autoridade reputada coatora, na condição de Presidente da AL/AP nomeou Comissão Parlamentar de Inquérito com as seguintes finalidades:
a) apurar a execução dos Termos de Ajustamento de Conduta assinados pelo Ministério Público do Estado do Amapá e as empresas MMX Amapá Mineração Ltda e Anglo Ferrous Amapá Mineração Ltda, pelos danos ambientais causados durante o processo de exploração de minério de ferro no Estado;
b) promover fiscalização em toda documentação relativa à concessão de licença prêmio dos procuradores e promotores de Justiça, referentes aos exercícios de 2004 a 2012;
c) fiscalizar a documentação referente às concessões de auxílio moradia e diárias pagas a procuradores e promotores de Justiça, referentes aos exercícios de 2004 a 2012;
d) fiscalizar pagamentos de despesas médicas para os membros do Ministério Público, referentes aos exercícios de 2004 a 2012, com nomes valores e especialidades médicas;
e) fiscalizar gastos com cargos comissionados, inclusive seus detalhamentos referentes aos exercícios de 2004 a 2012;
f) fiscalizar a composição das bancas examinadoras referentes aos três últimos concursos, bem como listas de aprovados;
g) fiscalizar todos os pagamentos referentes à Parcela Autÿnoma de Equivalência – PAD e seus beneficiários também relativas aos exercícios 2004 a 2012.
3.Assegurou que, a partir disso, viu-se notificado a apresentar, no prazo exíguo de cinco dias, uma série de documentos requisitados pela referida CPI, pena de sofrer demanda judicial de busca e apreensão. O prazo para oferta dos documentos, a vencer no dia do protocolo da impetração, não haveria como ser cumprido, o que motivou pedido de prorrogação.
4.Sustentou que os atos em questão são arbitrários e ilegais, visto que, nos termos do art. 58, § 3º, da CF, as comissões parlamentares de inquérito só podem ser criadas para apuração de fato determinado e por prazo certo, regra constitucional essa que delimita o campo de atuação do inquérito parlamentar. No caso, a CPI foi instaurada para apuração de fatos genéricos, decorrente de requerimento do próprio Presidente da Assembléia Legislativa como represália à deflagração da chamada Operação Eclesia, onde o impetrante investiga atos de corrupção no Poder Legislativo Estadual.
5.Salientou que, diante da exigência constitucional da determinação do seu objeto, as CPIs não podem ser criadas para averiguar possíveis irregularidades em contratos ou convênios ou investigar atos praticados por administrações passadas, mormente quando já submetidos ao Tribunal de Contas do Estado, competente para o controle externo de forma genérica, tal como pretende as autoridades impetradas em sua CPI, essa que só pode investigar fatos concretos.
6.Demais disso, o Termo de Ajustamento de Conduta motivador da instalação da CPI é ato institucional já convalidado tanto pelo Tribunal de Contas do Estado quanto pelo Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos esses de controle externo da atuação administrativa e financeira do Ministério Público local.
7.Ressaltou também que as autoridades impetradas, ao deixar de noticiar ao impetrante acerca da instalação da CPI, atropelaram procedimentos administrativos imprescindíveis, e violaram direito líquido e certo do investigado, por não lhe assegurar os princípios constitucionais da legalidade, da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da publicidade, impedindo o investigado de saber da existência da CPI e de seu objeto.
8.Afirmou, por fim, que o ato de instauração da CPI encontra-se viciado por desvio de finalidade, logo nulo de pleno direito, na medida em que instrumento utilizado pela Casa de Leis do Amapá comoarma de pressão para fazer cessar as investigações que recaem sobre alguns parlamentares, direcionamento abusivo esse que, inclusive, já fora recentemente evidenciado em reportagem de emissora de televisão de rede nacional.
9.Por tais razões, afirmando presentes os pressupostos autorizadores, pediu a concessão de liminar destinada à suspensão dos trabalhos da CPI até o julgamento do mérito do mandamus e, neste a anulação da Portaria nº 2805/12-AL, que instaurou a comissão investigatória.
10.A inicial veio instruída com diversos documentos relativos aos atos administrativos impugnados (fls. 41/338).
11.Estes os fatos e os fundamentos jurídicos da impetração, passo a apreciar o pedido de liminar, antecipando que merece acolhimento, uma vez que percebo a presença dos requisitos estampados no art. 7º, inc. III, da Lei nº 12.016/2009, que lhe são autorizadores, a saber: a relevância dos fundamentos fático-jurídicos nos quais se embasam o pedido – sua causa de pedir -, e a possibilidade da medida pretendida se tornar inócua no curso da mandamental, caso ao final seja deferida.
12.O artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, dedicado às Comissões Parlamentares de Inquérito, tem a seguinte dicção:
“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
13.Disso se vê que, para viabilizar-se no âmbito das Casas Legislativas, a instauração de inquérito parlamentar está vinculada à satisfação de três [03] exigências definidas, de modo taxativo, no texto do art. 58, § 3º, da Constituição Federal:
a) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa;
b) indicação de fato determinado a ser objeto da apuração legislativa, e
c) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
14. Uma vez preenchidos os requisitos constitucionais, impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Assim, atendidas tais exigências, cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqÿentes e necessários à efetiva instalação da CPI.
15.Para o impetrante, no contexto, a instauração da chamada CPI do MP pela Assembleia Legislativa do Amapá é ato eivado de ilegalidade e abusividade pelo não preenchimento do segundo requisito acima mencionado [indicação de fato determinado a ser objeto da apuração legislativa].
16.Analisando o teor da Portaria nº 2805/12-AL, verifico que a Casa de Leis deste Estado – curiosamente após deflagração da operação denominada Eclésia – instaurou Comissão Parlamentar de Inquérito objetivando apurar e fiscalizar diversos atos de gestão financeira do Ministério Público Estadual, e isso em um período de 08 [oito] anos, sem indicar, não obstante, com precisão, um só fato determinado a ser objeto da apuração.
17.Fato determinado, para fins de cumprimento do art. 58, § 3º, da Constituição Federal, é a causa provável de ilícitos administrativos que justificariam sua específica apuração por comissão parlamentar. O fato determinado, então, configura-se como fato concreto e individualizado, não podendo ser instaurada CPI para atacar questões genéricas, como corrupção, responsabilidade governamental, política, econÿmica etc.
18.Bem ao contrário de fixar um fato determinado a ser apurado pelo Legislativo, através de comissão parlamentar de inquérito, o teor do ato oficial de instauração da CPI [Portaria nº 2805/12-AL] estabeleceu objetivos genéricos, destituídos da necessária e específica indicação de causa provável de ilícitos administrativos por parte do Ministério Público Estadual, isso que se qualificaria como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Poder Legislativo do Estado, da esfera de subjetividade pública da gestão ministerial garantida pela Constituição da República.
19.Sem dúvida, os parlamentares desvestem-se da roupagem de legisladores para adquirir a pertinente aos magistrados. Contudo, seus poderes decisórios não são idênticos aos dos juízes, mas apenas àqueles limitados à investigação. Logo, os poderes, previstos na regra constitucional acima ou mesmo nos regimentos das Casas de Leis, não podem, no que concerne à magistratura, ser superiores a de uma investigação, à falta de previsão constitucional.
20. Deveras, o princípio constitucional em questão é salutar, pois da mesma forma que nos processos judiciais as questões submetidas a julgamento, no controle difuso, são pontuais, não se podendo num mesmo processo discutir teses variadas sobre variados e desconectados fatos, também, sabiamente, o constituinte, ao outorgar poderes de magistrado ao parlamentar, submeteu-o às regras próprias do processo investigatório judicial. Daí não se poder admitir instauração de CPI nos moldes como aparentemente o foi pelo ato impugnado neste mandamus.
21.Saliente-se, desde logo, que a ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos. Isso é assim porque o Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo.
22.Os fundamentos acima expostos estão plenamente embasados em orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como claramente se vê dos seguintes julgados:
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS – FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA – INADMISSIBILIDADE – CONTROLE JURISDICIONAL – POSSIBILIDADE – CONSEQÜENTE INVALIDAÇÃO DO ATO DE “DISCLOSURE” – INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. A QUEBRA DE SIGILO – QUE SE APÓIA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO INDICA FATOS CONCRETOS E PRECISOS REFERENTES À PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO – CONSTITUI ATO EIVADO DE NULIDADE. – A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefÿnicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apoia-se em formulaçÍ es genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina. O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. – O Supremo Tribunal Federal, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Doutrina. Precedentes [MS 25668 / DF. Tribunal Pleno. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/06/2003. Publicação: DJ 04-08-2006].
O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo. Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República. [MS 24849 / DF. Tribunal Pleno. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 22/06/2005. Publicação: DJ 29/09/2006].
23.Destarte, porque manifesta a fumaça do bom direito nas argumentações mandamentais, somadas a presença do periculum in mora na eventual prestação jurisdicional postulada somente pelo mérito da impetração, quando aí já perpetrada a lesividade ao direito líquido e certo reclamado nesta ação pela invasão, por parte do Poder Legislativo Estadual, na esfera de subjetividade pública da gestão do órgão ministerial autor.
24.Pelo exposto, concedo a liminar pleiteada na petição inicial, e em consequência, determino a suspensão dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Portaria nº 2805/12-AL, até julgamento do mérito desta ação constitucional.
25.Notifiquem-se as autoridades impetradas da presente decisão, requisitando-lhes, ademais, informações que deverão ser prestadas no prazo de dez dias.
26.Após, abra-se vista à Procuradoria Jurídica da Assembleia Legislativa, pelo prazo de dez dias, para fins do art. 7º, inciso II, da Lei do Mandado de Segurança [Lei nº 12.016/2009].
27.Em seguida, ao Ministério Público para emissão de parecer.
28.Intimem-se.

Atenciosamente,
Manuella Dias Araujo
OAB/AP 1800

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